Eloísa Assis
Inserido no rol dos direitos sociais em razão da Emenda Constitucional nº 26, de 2000, o direito à moradia desponta enquanto direito fundamental dotado de dupla dimensão, já que, embora corresponda a direito subjetivo a prestações positivas, não se ignora a sua natureza negativa, que se explicita sobretudo na vedação de remoções forçadas. Com efeito, resta sedimentado no imaginário social a compreensão de que o direito à moradia apenas se perfectibiliza com a promoção do acesso à casa própria, circunstância que revela o distanciamento da concepção da moradia enquanto um bem universal acessível via políticas estatais diversas – não apenas de compra e financiamento – e uma equivocada aproximação à compreensão da moradia enquanto mercadoria. O Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV), programa habitacional de maior relevo na história brasileira, demonstra a imprecisão da atuação política que se orienta pelo critério da rentabilidade, vez que, ao condicionar a aquisição de lotes para a construção dos conjuntos habitacionais ao menor preço disponível, o PMCMV reproduziu as desigualdades há muito articuladas no espaço urbano, marcado sobretudo pela segregação socioterritorial. Os desafios pela propagação do coronavírus – especialmente em decorrência da constatação das inúmeras situações de coabitação e de adensamento excessivo, para além da ausência de acesso ao saneamento básico, vez que muitas famílias sequer têm acesso à água tratada e a banheiros de uso exclusivo – reforçam a urgência pela superação da clássica compreensão do direito à moradia, que, apesar de se constituir enquanto direito autônomo, a partir da promulgação do Estatuto da Cidade, deve ser entendido como direito interdependente e contemplado no conceito guarda-chuva de direito à cidade, que, atualmente, se contorna enquanto instrumento jurídico de reivindicação de uma vida digna no espaço urbano, sendo que se reconhece que a perspectiva urbanística é conteúdo insuprimível do conceito – ressignificado – de direito à moradia.