Norman R. Madarasz
Algumas semanas antes de falecer em 1984, Foucault publicava os volumes 2 e 3 da sua História da sexualidade. Magistrais como eram, ainda deixavam incompleto o projeto iniciado quinze anos mais cedo com A Arqueologia do saber, o de uma transformação radical do humanismo pela análise estrutural. Neste projeto, Foucault iniciava a grande guinada da ontologia fundamentada, classicamente, pelo princípio da identidade. Ou seja, aquém do conceito de cuidado de si, Foucault projetara uma lógica relacional e diferencial pela qual se desenharia a matriz transformacional por trás das identidades. Concentrava-se no fundamento do local, a partir do qual surge a possibilidade do universal. Ainda numa época marcada por proscrições e proibições visando a sexualidade, ele projetava assim um amanhecer convergente entre algo ainda não captado pela subjetividade gay, mas já constitutivo de forma invisível e inominável na de queer. Para articular esta rotação na filosofia, Foucault ainda necessitava reconhecer um quinto limiar para sua teoria das etapas da formação discursiva do saber. Depois do limiar da positividade, da epistemologização, de cientificidade e de formalização, precisava o limiar da sistematização acontecimental. Fundamentar uma ontologia queer parecia exigir a negação de sistemas filosóficos fundamentados por uma ontologia, quiçá, abandonar a análise estrutural, tanto é que cursos inteiros de filosofia no Brasil seguiram as afirmações próprias de Foucault para se livrar do ensino do estruturalismo. Neste livro, defende-se a tese segundo a qual o que precisava era justamente o contrário.